sábado, 6 de dezembro de 2014

Diplomatas e diplomatas

Paulo Werneck

Há muito tempo pensei em comprar "Conversas com Jovens Diplomatas", do Celso Amorim, publicado pela Benvirá. O tamanho (600 páginas), combinado com a minha crônica falta de tempo, foi postergando a decisão, até que finalmente passei no caixa.

Comprei o livro porque admiro o diplomata, pela política que ele implantou no Itamaraty, pelo respeito internacional que o Itamaraty sob a liderança dele granjeou para o país.

É ótimo. Trata-se da transcrição editada de palestras que Amorim ministrou principalmente (talvez só, mas não cheguei ao fim do livro) no Instituto Rio Branco, nas quais ele aborda casos e explica as opções, as decisões, as consequências, de forma muito didática e clara. Assuntos tão diversos como o apoio ao Haiti, negociações comerciais, criação de organismos internacionais.

Recomendo para todos aqueles que têm interesse em Relações Internacionais ou Comércio Exterior, gostem ou não gostem do Amorim, concordem ou não com a política do PT nessa área.

By the way, há anos comprei um livro, "Bastidores da Diplomacia: o Bife de Zinco e Outras Histórias", do embaixador Guilherme Luiz Leite Ribeiro, que apresenta uma visão interessante do dia a dia do diplomata.


Todavia, fiquei desapontado com esse livro. Apesar de mostrar de uma maneira muito direta como funciona o Itamaraty e contar histórias deliciosas, é um livro rancoroso, e o autor trata de modo deseducado e desrespeitoso o então presidente Lula no início do primeiro mandato, usando linguajar totalmente inadequado para um diplomata.

Além disso, uma grande diferença de objetivos, valores e métodos: Celso Amorim mostra como o Brasil ajudou o Haiti, já Guilherme Ribeiro como ajudou o chefe dos tonton macoutes a escapar da ira popular...

Há diplomatas e diplomatas.

terça-feira, 17 de junho de 2014

Estilos EPUB

Paulo Werneck

Biblioteca do Convento de Mafra
Fonte: Wiki

Em "Modo fácil de Criar EPUBs", foi apresentada uma receita de bolo de como converter arquivos ".doc" para ".epub", usando editor de textos e o programa gratuito Sigil. Agora será mostrado como criar os estilos no EPUB, completando a receita

Primeiro, utilizando o bloco de notas, criar o arquivo "pgepub.css", contendo o seguinte texto:
@charset "utf-8";
h1 
color: black;
margin: 1.4em 0 0.7em 0;
border-style: solid none solid none;
border-width: 5px;
padding: 10px 0 10px 0;
text-align: left;
line-height: 1.2em;
font-size: 1.4em;
font-style: normal;
font-weight: bold;
}
h2 {
color: black;
margin-top: 1.2em;
margin-bottom: 1.2em;
margin-left: 00%;
margin-right: 00%;
text-align: left;
line-height: 120%;
font-size: 1.2em;
font-style: normal;
font-weight: bold;
}
.nor {
color: black;
margin: 0.6em 00%;
text-align: justify;
text-indent: 0;
line-height: 120%;
font-size: 1.0em;
font-style: normal;
font-weight: normal;
}
.cit {
color: black;
margin: 0.6em 0% 0.6em 5%;
text-align: justify;
text-indent: 0;
line-height: 120%;
font-size: 1.0em;
font-style: normal;
font-weight: normal;
}

Depois, no Sigil, trocar o início do arquivo "Section0001.xhtml", até a linha contendo "</head>", inclusive, pelo seguinte texto:
<?xml version="1.0" encoding="utf-8" standalone="no"?>
<!DOCTYPE html PUBLIC "-//W3C//DTD XHTML 1.1//EN"
"http://www.w3.org/TR/xhtml11/DTD/xhtml11.dtd">
<html xmlns="http://www.w3.org/1999/xhtml">
<head>
<link href="../Styles/pgepub.css" rel="stylesheet" type="text/css" />
</head>
Finalmente, no Sigil, clicar com o botão direito o ícone Styles (na janela Navegador), e selecionar "Acrescentar arquivo existente...". Na janela que se abrir, marcar o arquivo "pgepub.css" recém criado.
Salvar o arquivo EPUB, e pronto. Pode levá-lo para o Kobo (ou outro leitor) ou mesmo lê-lo no PC, como o próprio Sigil ou outro leitor.

As definições constantes do "pgepub.css" estão em "CSS", Cascading Style Sheets, outra linguagem de programação, assim como o XHTML, EXtensible HyperText Markup Language

Ótimos tutoriais sobre essas duas linguagens podem ser encontrados em "www.w3schools.com".

Modo fácil de Criar EPUBs

Paulo Werneck

Biblioteca da Universidade de Coimbra
Fonte: Wiki

Há pouco tempo adquiri um Kobo na Livraria Cultura. Minha intenção era reduzir o peso nas viagens e no dia-a-dia, pois costumo ler em ônibus. Fora isso, continuo adicto a livro em papel...

A escolha do Kobo levou em conta a presença de uma loja física no Brasil, e o formato aberto do - EPUB - pois tenho alergia grave a formatos proprietários.

Depois de começar a usar o aparelho, me veio a vontade de ler no Kobo textos disponíveis na Internet em outros formatos, como DOC, TXT e PDF.

Procurei softares 0800 para conversão, mas são complicados, e os comentários apontam para textos deixando a desejar, com lixo embutido.

Desenvolvi um método usando processador de texto para fazer a conversão, de uma maneira manual, mas simples e rápida. Ferramentas necessárias: processador de texto e editor de epub. Usei o Word e o Sigil.

No processador, edito o texto, de forma simples mas usando exclusivamente estilos do editor, poucos. Nada de formatação caso a caso. Neste exemplo, quatro estilos: Título 1, Título 2, Normal e Citação. Podem ser mais, ou menos, a gosto do freguês e conforme as necessidades do texto. Mas que sejam reduzidas ao mínimo. Seja o texto já formatado:
Título
Blá blá blá, patati patatá.
Depois é começar o troca troca. Usando o "Replace", trocar "^p" (fim de parágrafo) por "</p>^p<p>". Depois inserir "<p>" no início da primeira linha e "</p>" ao final da última. As linhas ficarão com a seguinte aparência:
<p>Título</p>
<p>Blá blá blá, patati patatá.</p>
As marcas inseridas indicam início e fim de parágrafo no formato EPUB, que utiliza a notação XHTML. Mas o leitor não precisa saber disso...

Depois deve-se inserir os estilos no texto convertido, começando pelos títulos. Trocar "p>" por "h1>", se o estilo for "Título 1". No Word, na caixa do "replace" marca-se o botão "format", depois "style" e finalmente seleciona-se o estilo "Heading 1". O texto ficará como:
<h1>Título</h1>
<p>Blá blá blá, patati patatá.</p>
Repete-se o processo para os demais títulos, com o algarismo correspondente.

Em seguida, as conversões referentes aos estilos dos textos. Trocar "<p>" por "<p class="nor"> se o estilo for Normal; por "<p class="cit">, se Citação, e assim por diante, uma vez para cada estilo utilizado no documento. O texto ficará:
<h1>Título</h1>
<p class="nor">Blá blá blá, patati patatá.</p>
As expressões "nor" e "cit", são da livre escolha do usuário, diferentemente de "p", "h1" e "h2", que são definidas pela linguagem XHTML.

Agora é necessário abrir o programa Sigil, copiar o texto do Word e colar no arquivo "Section0001.xhtml", entre <body> e </body>, substituindo o texto <p>&#160;</p> preexistente. Feito isso, salvar o arquivo com o nome desejado (Arquivo > Salvar Como).

Na postagem "Estilos Epub", uma receita de bolo e algumas dicas para formatar os estilos no Epub.

sábado, 14 de junho de 2014

Educação Boa e Barata

Paulo Werneck

Iluminura do Codex Manesse
Fonte: Wiki

Este é um mundo cheio de contradições. Às vezes sinto que quero abandonar o barco, tamanha a mediocridade imperante, pós doutores deitando falação sem sentido, defensores do ensino público de qualidade alérgicos ao estudo, e que tais. Mas, por outro lado, não deixo de me surpreender com possibilidades impensáveis há pouco tempo.

Os cursos à distância, não poucas vezes muito criticados, é um desses casos que me maravilham. Começarei amanhã a estudar história medieval de graça, junto com mais de oito mil colegas de 132 países diferentes, num curso totalmente gratuito oferecido pela Universidade de Colorado (acesso por Coursera, endereço abaixo).

É um exemplo. Estudei a alta idade média por Yale, estou estudando história do capitalismo americano, um curso bastante denso, por Cornell. Também estou estudando a história do rock anglo-saxão por Rochester. Posso garantir que não me decepcionei com nenhum deles.

O problema, nesses cursos, é que são ministrados em Inglês. Para mim, está sendo até vantajoso, pois estava bem enferrujado, mas estou melhorando bastante.

Existem também cursos em outras línguas, até mandarim (quem se habilita?) e dos mais variados temas - administração, matemática, engenharia, informática, culinária - não faltam opções.

Até em português tem, sejam ministrados por instituições brasileiras, sejam legendados.

Os portais de entrada que já conheço são os seguintes:
www.edx.org
www.coursera.org
www.veduca.org
O interessado se cadastra nos portais, que dão acesso aos cursos. Não são sites com endereços, são efetivas portas de entrada.

Alguns cursos também são oferecidos na modalidade paga, para aqueles que queiram receber um certificado. Nesse caso o aluno não apenas paga pelo curso, mas também tem que fazer as provas e trabalhos exigidos, para ser aprovado. Não basta pagar.

Outras opções existem na Internet, como os cursos do Sebrae, mas nesses casos é necessário que o interessado acesse o próprio site de quem oferece o curso.

Bom estudo para todos.

Agradeço que quem encontre outro portal de qualidade, me passe o endereço para que esta postagem seja atualizada.

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Arrogância, Ignorância e Desrespeito

Paulo Werneck

Um belo dia: assim começam as histórias, mas, nesta específica, o início é impróprio. Comecemos novamente.

Um mau dia, como fruto da aliança entre o Banco Itaú e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a Avenida Rui Barbosa foi espetada por um ponto de bicicletas.

Até aí nada de excepcional. Os cariocas já conhecem a iniciativa, em hipótese positiva, de serem colocadas bicicletas à disposição das pessoas, mesmo que apenas as pessoas digitalmente alfabetizadas e que possuem telefones com internet, porque esse é requisito sine qua non. Quem não tem telefone conectado na nuvem não pode usar as bicicletas.

Um outro problema é que as bicicletas podem ser utilizadas até as 22:00 horas mas não dispõem de faróis, itens obrigatórios pelo Código de Trânsito. Afinal de contas, qual o problema do prefeito tolerância zero fechar os olhos para essa ilegalidade? Bicicleta é tão cool, tão muderno...

Mas a questão, nesse caso, é outra. Vejamos a instalação:


Como podemos observar, apesar da largura da calçada, as bicicletas estão colocadas no asfalto, matando pelo menos duas vagas. Isso na frente do Parque Carmen Miranda, que dispõe de ampla área na entrada e vigilância dia e noite pela Guarda Municipal.

Alguma consulta à população? Claro que não. Porque cargas d'água o senhor prefeito iria se preocupar com os munícipes ou o Banco Itaú iria se preocupar com os clientes? Na rua faz mais propaganda...

Mas, infelizmente, não se trata apenas de duas vagas. Essas duas vagas estão nas proximidades do Hospital Fernandes Filgueiras, especializado em gestações complicadas e crianças com problemas sérios. Não é um hospital qualquer. É um hospital de referência que recebe gente de longe, todos os dias chegam ambulâncias ou vans com pacientes vindos de municípios distantes.


A segunda foto, tirada em dia de quase nenhum movimento, mostra o hospital à esquerda, uma ambulância verde ocupando a vaga reservada ao consulado da Bolívia, dois carros em fila dupla com as bicicletas, um de Saquarema. Em dias normais, estaríamos vendo duas ou três ambulâncias, outro tanto de vans, mas os carros particulares, grande parte velhos e caídos, trazendo os pacientes sabe-se lá de que cantão.

O telefone 1746 inicialmente tentou rebarbar a reclamação, dizendo que não era com eles. A reclamação deveria ser feita ao Itaú. Mas não foi possível resistir ao argumento de que a rua é da jurisdição da prefeitura, de modo que no dia 15 de maio foi protocolizada a reclamação número RIO-6347680-0, até agora sem resposta ou solução.

Quanto a mim, não tenho carro e, consequentemente, não preciso de vaga. Também não ando de bicicleta, veículo perigoso no trânsito desgovernado do Rio. Quanto à prefeitura e ao Itaú, carecem de respeito pelos munícipes e clientes, para não falar de inteligência, que passou ao largo...

sábado, 17 de maio de 2014

Gentrificação do Futebol

Paulo Werneck

Maracanã em 1950

Gentrificação é uma palavra esquisita, que eu não conhecia, e da qual só tomei conhecimento há pouco tempo. Para quem não sabe, gentrificação significa, segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,
Processo de valorização imobiliária de uma zona urbana, geralmente acompanhada da deslocação dos residentes com menor poder econômico para outro local e da entrada de residentes com maior poder econômico.
Não posso literalmente falar de gentrificação do futebol, pois futebol não é imóvel, pelo contrário... Mas está ocorrendo o deslocamento de torcedores de menor poder econômico, substituídos torcedores de maior poder econômico ou, pior, por espectadores corporativos e lugares vazios.

A substituição por torcedores de maior poder econômico deve ser consequência direta da transformação do futebol em espetáculo e da maior profissionalização. Os jogadores no início eram amadores. Depois veio a profissionalização, e finalmente os salários milionários. Daí ao aumento do preço dos ingressos, as propagandas nos uniformes, os royalties pelo uso dos símbolos dos clubes. O aumento do preço dos ingressos expulsa os torcedores de baixa renda dos estádios.

Depois temos o padrão Fifa. No Maraca, na Copa de 1950, viram a derrota do Brasil para o Uruguai nada menos que 174.000 pessoas, segundo a Fifa, ou 199.854 espectadores, segundo O Globo. Hoje a capacidade do Maraca foi reduzida para 78.838, segundo o Consórcio Adminstrador, ou 73.531, segundo a Fifa. Se a Copa de 50 fosse hoje, no mínimo 100.000 pessoas ficariam de fora...

Finalmente, hoje uma parte dos ingressos não vão para os guichês, pois são comprados com antecedência pelas empresas patrocinadoras, que vão dar esses ingressos para quem bem entenderem, sejam clientes, fornecedores, sócios, funcionários, ou mesmo sorteá-los, como uma empresa multinacional de refrigerantes vai fazer. Será que os felizes ganhadores desses ingressos são efetivamente torcedores de futebol, será que sabem quais os uniformes dos times que entrarão em campo?

Com o afastamento dos verdadeiros torcedores dos estádios, agora denominados arenas (!!!), o que será do futebol?

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Quem será o próximo presidente?

Paulo Werneck

Urna eleitoral antigamente usada na Noruega
Fonte: wiki

Aproximam-se as eleições e com elas voltam as papagaiadas de quem repete o que ouviu, não sabe nem de quem, mas repete com a maior autoridade, obtida na Universidade do "Eu Acho".

O achismo talvez seja a doença infantil da Democracia. O fato de haver Liberdade de Expressão - parágrafo IV do artigo 5º da Constituição Federal,
É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
não faz com que dois mais dois sejam cinco, só porque alguém acha que são... Mas estou divagando. Foco.

As papagaiadas a que me refiro dizem respeito aos votos nulos e em branco, que teriam o condão de deixar a classe política em cheque e melar as eleições. Nada mais longe da verdade.

Repito: Quem será o próximo presidente? A resposta é simples: quem obtiver metade mais um dos votos válidos, ou seja, sem contar brancos e nulos. Como descobri? Fácil: basta ler o parágrafo 2º do artigo 77 da Constituição:
Será considerado eleito presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos.
Ou seja, somam-se os votos de todos os candidatos e, se um deles obtiver mais da metade, está eleito. Daí a estratégia dos candidatos menos fortes de se unirem no ataque ao líder das pesquisas, fazendo uma certa aliança, esperando que todos juntos consigam suplantar o primeiro, levando a eleição para segundo turno, conforme o parágrafo 3º desse mesmo artigo:
Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição em até vinte dias após a proclamação do resultado, concorrendo os dois candidatos mais votados e considerando-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos.
É uma aliança frágil, claro, pois só o segundo colocado vai para o segundo turno, e uma posição menos adversa talvez renda algum favor do vencedor... No segundo turno, todavia, é briga de foice, sem quartel.

Esse raciocínio também vale para as eleições para governadores e prefeitos, inclusive de municípios com menos de duzentos mil eleitores (Ac.-TSE, de 28.5.2013, no REspe nº 31696).

Se todos desejarem votar em branco, nenhum problema, meu voto solitário reelegerá a presidente...

Quanto às eleições proporcionais, para deputados federais, deputados estaduais e vereadores, os votos em branco e nulos também não contam, conforme o artigo 5º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997:
Nas eleições proporcionais, contam-se como válidos apenas os votos dados a candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias.
Muito antigamente, ainda sob o tacão da ditadura de 64, dizia-se que os votos em branco eram atribuídos ao partido majoritário, na época a Arena, que depois virou PFL e agora se travestiu de DEM, não democratas, como querem se apresentar, mas demonios... Não verifiquei se a afirmação procede ou não.

Recentemente, todavia, os votos em branco eram considerados válidos, e por isso eram contados no cálculo do coeficiente eleitoral, que serve como barreira para os partidos menores. Um voto em branco, se dado por desalento com os partidos atuais, servia como elemento dificultador da entrada de novos partidos no cenário político.

Hoje, não, os votos em branco não são válidos e não servem para nada. Quanto aos nulos, aqueles que o próprio eleitor anulou, também não servem para coisa alguma. Uma eleição só é anulada se a vontade do conjunto dos eleitores for comprometida, o que fica para ser explicado em outra postagem.

O voto em branco - assim como o nulo - é apenas uma recusa do cidadão em escolher um candidato, uma espécie de cheque em branco para o restante da população, que imagino esse cidadão considere mais capaz do que ele para decidir os destinos de sua cidade, estado ou país.

sábado, 15 de março de 2014

Manual do Mau Jornalismo

Paulo Werneck

Há muito tempo não leio Veja, Globo, Folha e Estadão, dos quais, em épocas distintas, já fui assinante. Não os leio porque não tenho tempo para desperdiçar com textos desinformativos e mentirosos.

Não estou sozinho na avaliação, a ponto de ter sido cunhada uma abreviatura para designar essa imprensa, PIG, que significa Partido da Imprensa Golpista, mas que também é a palavra inglesa para porco.

Os que me conhecem sabem que compartilho de sonhos libertários, igualitários e solidários, o mote da Revolução Francesa - que mesmo assim cometeu o Terror, a Vendéia, se engoliu e pariu um imperador... Mas sonhos são sonhos e guiam nossos passos, enquanto a realidade às vezes deixa muito a desejar.

Da realidade, todavia, é que deveria tratar os jornais, deixando a opinião para os editoriais. Não é todavia a prática da "grande" imprensa brasileira.

Para não ficar no blá blá blá exemplificarei com uma matéria do "O Globo", intitulada "Voo baixo: Brasil tem a 7ª maior economia mas alta do PIB perde para emergentes": crescimento em 2013 só superou o da África do Sul e do México", publicada em 28 de fevereiro na página 29 da segunda edição.

O leitor desavisado já fica sabendo de cara que o Brasil está na sétima posição - o que não é novidade nem nada de tão importante assim, mas que cresceu muito pouco, perdendo para todo mundo, andando para trás.

A matéria também apresenta dois gráficos:


Logo no primeiro parágrafo sabemos que a matéria só se baseia em 25 países dos quase 200 atualmente existentes, ou seja, muito pouco para fazer generalizações.

Depois diz que o crescimento brasileiro só foi maior que o da África do Sul e do México, mas, consultando a tabela que é apresentada na mesma matéria, podemos ver que superou também os Estados Unidos, a França, o Reino Unido, a Alemanha.

O redator, não omite que está falando das economias emergentes dessa reduzida lista de 25 países, mas o leitor tem que estar atento e digerir palavra a palavra para não ficar com a impressão errada.

Todavia o FMI lista quase uma centena de países emergentes (World Economic Outlook, edição 2013). Assim a lista de emergentes considerada pela matéria está extremamente resumida.

A opinião de Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, que reconhece que o Brasil foi melhor que as grandes economias "que ainda se ressentem da crise".

Que crise? Algum tsunami, seca renitente, guerra? Não: crise provocada por eles mesmos, ao desregularem o mercado financeiro.

Os países desenvolvidos podem crescer pouco porque se enfiaram eles mesmos numa crise, mas o Brasil - entenda-se a Dilma, o PT - que se saiu airosamente da crise, apesar de sofrido a retração de parte considerável do seu mercado externo, tem voo baixo porque cresce menos que alguns países.

Assim se publicam dados verdadeiros, entremeado por omissões, destaques e comentários cuidadosamente selecionados, para levar o leitor apressado ou acrítico a partilhar a opinião que o dono do jornal quer ver espalhada na sociedade em apoio ao projeto político dele.

Por falar em firmas de avaliação de risco, vale lembrar que seis dias antes do colapso do Lehman Brothers a avaliação dele era AAA pela Standard & Poor's (S&P), e até a véspera pela Moody's. Enquanto isso, o Brasil que nunca deixou de pagar nada, é avaliado pela Austin Rating (quem?) como BBB...

Recolhi na Wikipedia as avaliações abaixo (List of countries by credit rating):

BrasilEstados Unidos
notaconceitonotaconceito
Standard & Poor'sBBBNegativeAA+Stable
Fitch RatingsBBBStableAAAWatch Negative
Moody'sBaa2PositiveAaaNegative
DBRSBBBStableAAAUnder Review, Negative
DagongA-NegativeA-Negative
JCRBBBStableAAAStable
China ChengxinBBBg+StableAAAgStable
Uma observação: a dívida pública brasileira alcança 45% do PIB, enquanto a americana está na casa dos 75%...

quarta-feira, 5 de março de 2014

Maigret ou Magret?

Paulo Werneck

Fonte: Papagalis

Dúvida cruel: Maigret ou Magret? Que diferença faz uma vogal? Neste tópico pouca, pois, abrindo uma exceção, ou melhor, duas exceções ao meu espírito crítico, abordarei assuntos muito agradáveis.

Maigret é um comissário de polícia, personagem criado por Simenon, prolífico escritor daqueles que a crítica desdenha, por escrever romances policiais, tendo depois sido considerado por alguns como o maior escritor francês do século XX.

Não sou crítico literário, mas li quase todos os livros traduzidos para o Português e publicados pela LPM, tendo comprado, por especial gentileza do Carlinhos da Livraria da Travessa, a coleção completa em francês, Tout Maigret, da qual ainda só li o primeiro caso, excelente. Mas os volumes estão na fila...

Não apenas gosto da prosa do Simenon, ou das aventuras do Maigret. Minha relação com o personagem é mais profunda: foi meu modelo de comportamento enquanto exerci o cargo de auditor fiscal. Há diferenças sensíveis entre um fiscal e um policial, mas aprendi muito com Maigret.

Todavia o desiderato desta coluna era outro: comentar um pequeno restaurante do qual sou freguês, não só do restaurante mas também de uma seleção do cardápio.

Sou bastante conservador, e, em certos restaurantes, faço sempre o mesmo pedido. No caso do Bistrô Ouvidor, de entrada peço terrine, continuo com magret de canard (peito de pato) e concluo com mousse de chocolate.

A terrine é boa, mas, modéstia à parte, faço uma melhor em casa. Raramente, é verdade, pois dá muito trabalho, daí a escolha. O freguês também pode pedir a sopa do dia ou uma outra coisa que não me lembro o que é, pois há muito tempo me fixei na tal da terrine.

O magret é divino. Não é à toa que o peço sempre. Não que os outros pratos não sejam ótimos, e há uma grande variedade de carnes exóticas, mas sou apaixonado pelo magret do Bistrô Ouvidor. Vem fatiado e com uma geléinha, hum, nham nham...

A mousse também é excelente, tanto na consistência, como na economia do açúcar. Detesto doce muito doce... E não é daquelas que vem em forminhas de plástico, atentados à ecologia, mas é feita em casa e colocada na tigela às colheradas.

Costumo acompanhar a refeição com borbulhas, nome pelo qual trato os espumantes. É pedida obrigatória, a menos que esteja acompanhado por pessoas momentâneamente abstêmias, o que é raro...

A casa é agradável na decoração, no atendimento, na comida e também na conta. Os preços são bem razoáveis, tendo em vista o que é posto na mesa.

Paulo César é o garçom na foto. Paciente, sabe lidar com fregueses difíceis...

Onde: Rua do Ouvidor 57, quase esquina com Primeiro de Março.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Pausa Refrescante

Paulo Werneck

Foto: Felipa Lux

Na busca de um lugar para almoçarmos, os sr. e sra. K e eu, numa tarde no Leblon, quase entramos num lugar simpático e aconchegante, mas paramos na porta ao verificarmos que seria um café, ou casa de chá, ou chocolateria, não um restaurante. O almoço acabou ocorrendo no Brigitte's, como relatado em "Receita Clássica?", sem o gran finale, qual seja a sobremesa.

Nova busca por um lugar adequado, todavia busca rápida, pois aquela casa, inicialmente abandonada, por inadequada para o desiderato anterior, ocupou nossas mentes como a possibilidade mais apetecível na nova conjuntura.

Num átimo adentramos o estabelecimento, música suave, balcão repleto de tentações de chocolate, mesinhas, cadeiras e sofás a esperar comensais, decoração com flores e tons pastéis.

No balcão quatro cumbucas com sorvetes, avidamente provados pelos meus companheiros. Não me juntei a eles nessa agradável missão, saborosa mas desnecessária, tendo em vista o verde desmaiado do sorvete de pistache. A mera auditoria visual já me pareceu suficiente para me decidir pela decidida qualidade do produto, o que posteriormente ficou provado e comprovado.

Os Ks provaram dois ou três sabores cada qual, aprovaram as informações advindas de suas papilas gustativas, e nos sentamos, pedidos enunciados.

O que parecia bom continuou melhor. Serviço atencioso, sorvetes servidos em lindas taças, prazer total para os sentidos.

Aqui vale uma observação: são apenas quatro sabores de cada vez, cada qual em uma cumbuca inox que deve conter uns quatro ou cinco litros do produto, sendo repostas, na medida em que vão acabando, por novos sabores recém produzidos no local.

Todavia estávamos dominados pelo bicho carpinteiro, ou melhor, pelo bicho andarilho. Fomos tomar um café expresso em outro local, pelo singelo prazer de andar pelas ruas da cidade. O café foi bom, muito bom, espantosamente bom, numa micro loja uma quadra adiante, a Bel Trufas, cuja especialidade não é café...

Dali nossos passos nos levaram à Livraria Argumento, outra tentação, e dos livros para o café da própria livraria, para outro café. O prato do dia era penne com banana da terra, mas já havíamos almoçado, ficou para outra oportunidade.

Talvez o cansaço nos tenha tornado irritadiços, o fato é que o ruído nada exagerado dos outros frequentadores nos lembrou da primeira casa, tão silenciosa e tão geladinha, e para lá voltamos.

Só que o desejo de café deu lugar ao desejo de matar a sede, o que nos levou à soda italiana, uma bobagem bem humorada, água mineral gasosa misturada com xarope, vários sabores.

Começamos com a soda de tangerina: uma viagem no tempo de volta ao drops Dulcora, embalados um a um. A soda de melancia nos remeteu à tradicional Confeitaria Cavé e seu refresco de groselha. A soda de maçã verde nos fez querer encontrar alguma reminiscencia, mas nada nos ocorreu, e ficou sendo apenas soda italiana de maçã verde...

Ah, last but not least, a casa em questão, melhor dizendo um oásis no meio da cidade grande, chama-se Envidia. Nota mil.

Serviço:
Bel Trufas: Rua Dias Ferreira 521
Envidia Chocolateria: Rua Dias Ferreira 106
Livraria Argumento: Rua Dias Ferreira 417

sábado, 25 de janeiro de 2014

Receita clássica?

Paulo Werneck

Spaghetti alla Carbonara
Fonte: Wikipedia

Estava encontrando um casal de amigos, o sr. e a sra. K, numa tarde agradável no Leblon. Havia fome, não muita.

Havia também uma questão de preferências: sou chegado a restaurantes tradicionais, com garçons servindo à mesa, eles mais afinados com lugares modernos, com alguma preferência por self service. Uma certa incompatibilidade que a amizade facilmente supera.

Como a fome não era grande, fomos seguindo nossos passos à procura de um lugar que conviesse a todos. Acabamos escolhendo o Brigitte's. Parecia tudo de bom: decoração elegante, garçons servindo às mesas, ar condicionado a deixar o calor senegalesco do lado de fora. Além disso serviam uma pasta com molho carbonara clássico, o que me decidiu imediatamente.

Isso carece de explicação.

Sílvio Lancelotti, em seu "Cozinha Clássica", explica que o Carbonara não deve ser feito com bacon defumado, como é nosso costume, mas com pancetta, ou seja, barriga de porco fresca.

Sou louco por carbonara e, faz já muito tempo, comi um feito por Piero, chef italiano, num restaurante de bairro de Milão, o Star Triste. Uma massa de comer de joelhos. Simples e saborosa.

Desde então tenho tentado repetir o prato, sem muito sucesso. Meu carbonara está cada vez melhor, os dos restaurantes que frequento no mesmo padrão, mas nenhum maravilhoso, que me deixe estupefacto, como aquele do Piero.

Ao ver que o Brigitte's servia carbonara clássico, comecei a salivar com a esperança de comer, não a pasta maravilhosa do Piero, mas uma que superasse minha experiência mais recente.

Entramos e nos sentamos no mezanino. A casa realmente impressiona. Som suave, ambiente agradável, serviço atencioso.

Na hora da comida ser servida, a coisa desandou.

A porção da minha massa era tipo amostra. Um pouco mais que a da fotografia, é verdade, servida num prato de sopa daqueles com meio metro de borda, mais bonito que o da foto, deve ser um prêmio de design, mas que não contém comida suficiente para um homem. Para piorar, bacon defumado. A palavra clássico estava no cardápio de gaiata, pois nada significava. Para um espaguete feito à moda brasileira, até estava gostoso, apesar de pouco.

A sra. K, tendo escolhido um risotto al limone, que dizia conter limão siciliano (a última moda...), não tinha gosto de nada. O sr. K, sem fome, nada pediu e portanto nada teve a reclamar.

Mas reclamei e fui ouvido. Escutado muito atenciosamente, apesar das minhas reclamações serem duras. Não fui grosseiro (ou pelo menos acho que não), mas não aliviei em nada minhas críticas. Pagamos e saímos para comer a sobremesa em outro lugar.

Todavia, querido leitor, pode parecer sui generis, mas recomendo o Brigitte's. Se o paladar da comida ou a sua quantidade não forem o ponto mais importante, é um lugar muito agradável, seja o ambiente, seja o serviço, impecável, mesmo sob reclamações duras de um cliente insatisfeito.

Local: Brigitte's, na Dias Ferreira 247.