terça-feira, 21 de maio de 2013

Não Faça da sua Carteira uma Arma

Paulo Werneck

Enquanto vamos aos shoppings com ar condicionado comprar produtos de griffe para saciarmos nossa sede de luxo, ou produtos de cadeias internacionais que se destacam pelos preços menos salgados, entupindo nossos lares de objetos muitos dos quais mais que supérfluos, podemos estar simplesmente sendo coniventes com a morte e a exploração de outras pessoas.

Dia 24 de abril de 2013 desabou um edifício em Bangladesh, com 3.000 pessoas, matando mais de mil delas, onde eram produzidas roupas para The Children's Place, Dress Barn e Walmart, norteamericanas, Joe Fresh e Loblaw, canadenses, Mango e El Corte Inglés, espanholas, Matalan, Monsoon e Primark, britânicas, C&A, holandesa, KiK, alemã, e Benetton, italiana.

Oh, que tragédia!

Talvez. Mas no dia 16 de maio de 2013 desabou o teto de uma fábrica no Camboja, matando três pessoas. Produziam tênis Asics, japonesa.

Coincidência!

Talvez. Só que esses "acidentes" ocorrem regularmente, e os empresários locais não são tão culpados assim por não oferecerem segurança aos trabalhadores. Segurança significa custo, custo encarece a mercadoria,  as multinacionais não querem pagar mais, há muitos países com população morta de fome trabalhando por centavos.

Há quem defenda a desregulamentação da legislação trabalhista brasileira, que, com essa plêiade de direitos, torna os produtos nacionais pouco competitivos. A legislação trabalhista em Bangladesh é bem desregulamentada. É isso que queremos para o Brasil?

Associações de defesa dos trabalhadores culpam os empresários locais, que só querem lucrar, e os empresários multinacionais, com seus contratos leoninos, que também só querem lucrar. Discordo: quem sustenta tudo isso é o consumidor inconsequente, consumista, ostentador. É do bolso dele, do nosso bolso, que saem os lucros de uns e outros empresários, é por culpa da nossa carteira, e do uso que dela fazemos, que pessoas estão morrendo.

Abaixo transcrevo uma resolução do Parlamento Europeu sobre o assunto, onde estão registrados outros "acidentes". Essa resolução foi tomada três meses antes do desabamento do prédio. Não resultou em nada.

O que você fará na próxima vez que fôr ao shopping?

Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de janeiro de 2013, sobre as vítimas dos recentes incêndios em fábricas de têxteis, nomeadamente no Bangladesh (2012/2908 (RSP))

O Parlamento Europeu,

– Tendo em conta o Acordo de Cooperação CE-Bangladesh, de 2001,
– Recordando as suas resoluções de 25 de novembro de 2010 sobre os direitos humanos e as normas sociais e ambientais nos acordos comerciais internacionais e sobre a responsabilidade social das empresas nos acordos comerciais internacionais,
– Tendo em conta o Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) intitulado «Globalização dos Direitos Sociais: A Organização Internacional do Trabalho e mais além»,
– Tendo em conta o relatório da OIT intitulado «O Trabalho no Sul Global: Desafios e Alternativas para os Trabalhadores»,
– Tendo em conta o relatório da OIT intitulado «Globalização, Flexibilização e Condições de Trabalho na Ásia e no Pacífico»,
– Tendo em conta a Resolução do Parlamento Europeu, de 9 de março de 2011, sobre uma política industrial para a era da globalização,
– Tendo em conta as orientações atualizadas da OCDE para as empresas multinacionais, de 2011,
– Tendo em conta o Quadro de Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho da OIT (2006, C-187) e a Convenção sobre Segurança e Saúde no Trabalho (1981, C-155), que não foram ratificadas pelo Bangladesh e pelo Paquistão, bem como as respetivas recomendações (R-197); tendo também em conta a Convenção sobre a Inspeção do Trabalho (1947, C-081), de que o Bangladesh e o Paquistão são signatários, e as suas recomendações (R-164),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada «Responsabilidade social das empresas: uma nova estratégia da UE para o período de 2011-2014»,
– Tendo em conta os princípios orientadores das Nações Unidas sobre empresas e direitos humanos,
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.º 2 e 4, do seu Regimento,

A. Considerando que, pelo menos 112 pessoas morreram no fogo da fábrica de Tazreen, no distrito de Ashulia, Dhaka, Bangladesh, em 24 de novembro de 2012, e que 289 pessoas pereceram num incêndio em Karachi, Paquistão, em setembro de 2012;
B. Considerando que centenas de trabalhadores morrem todos os anos em acidentes semelhantes, em todo o Sul da Ásia, sendo que, só no Bangladesh, perderam a vida cerca de 600 trabalhadores têxteis desde 2005, em incêndios de fábricas, muitos dos quais poderiam ter sido evitados;
C. Considerando que as condições nas fábricas de têxteis são muitas vezes precárias, prestando-se pouca atenção aos direitos dos trabalhadores, como os reconhecidos pelas principais convenções da OIT, e dando frequentemente pouca ou nenhuma atenção à segurança em caso de incêndio; que muitos proprietários de tais fábricas não foram punidos, tendo por conseguinte feito pouco para melhorar as condições de trabalho;
D. Considerando que existem mais de 5 000 fábricas do setor têxtil no Bangladesh, que empregam cerca de 3,5 milhões de pessoas, e que o Bangladesh é o segundo maior exportador do mundo de pronto-a-vestir, superado apenas pela China;
E. Considerando que o mercado europeu é o maior destino de exportação dos produtos de vestuário e têxtil do Bangladesh, tendo proeminentes empresas ocidentais admitido que tinham contratos com os proprietários da fábrica de Tazreen para o fornecimento de roupas;
F. Considerando que os custos crescentes do trabalho noutras partes do mundo relegaram os empregos industriais de baixa qualificação para a Índia, o Paquistão, o Camboja, o Vietname e em especial o Bangladesh, onde o vestuário representa atualmente 75% das exportações;
G. Considerando lamentável que algumas empresas tentassem inicialmente negar que trabalhavam com a empresa implicada no fogo de Dhaka, só mais tarde reconhecendo que as suas roupas tinham sido produzidas no local;
H. Considerando que nos últimos meses as tensões entre o Governo do Bangladesh e os ativistas laborais têm-se intensificado, tendo os trabalhadores denunciado os seus baixos salários e as condições precárias de trabalho;
I. Considerando que continua por resolver o assassinato, em abril de 2012, de Aminul Islam, que criticara as condições inseguras das fábricas na indústria de confeção;

1. Exprime as suas condolências pela perda de vidas que ocorreu nos recentes fogos em fábricas; transmite as suas condolências às famílias das vítimas e manifesta solidariedade aos feridos; considera totalmente inaceitável o número de trabalhadores que pereceram em incêndios em fábricas nos últimos anos, no Sul da Ásia;
2. Apela aos governos do Bangladesh e do Paquistão para que prossigam a investigação exaustiva dos recentes acontecimentos e que adotem medidas para impedir que ocorram novas tragédias, incluindo o pleno cumprimento, por todos os fabricantes, da legislação em matéria de saúde e segurança (nomeadamente, a Lei do Trabalho de 2006, no Bangladesh) e a criação de um sistema eficaz e independente de inspeções de trabalho e inspeções a edifícios industriais;
3. Acolhe favoravelmente o Acordo do Bangladesh sobre segurança dos edifícios e a segurança em caso de incêndio celebrado entre alguns sindicatos, ONG e retalhistas têxteis multinacionais, cujo objetivo consiste em melhorar as normas de segurança nos locais de produção e aceitar o pagamento dessas medidas, em especial criando um sistema de inspeção independente e apoiando ativamente a criação de comités de saúde e segurança com representantes dos trabalhadores em cada fábrica, os quais são obrigatórios por lei, mas raramente operacionais; apela a todas as marcas têxteis em causa para que apoiem este esforço;
4. Insta todas as partes interessadas a combater a corrupção na cadeia de aprovisionamento, que é visível em muitas nações do Sul da Ásia, incluindo o conluio entre os inspetores de segurança e os proprietários das fábricas; apela a que seja feito mais para combater tais práticas;
5. Espera que os responsáveis por negligência criminosa e por outras atividades criminais relacionadas com os incêndios sejam levados a tribunal e que as autoridades locais e a direção das fábricas cooperem, a fim de assegurar a todas as vítimas o pleno acesso ao sistema judicial, por forma a permitir-lhes reclamar indemnizações; acolhe com agrado as medidas que já foram adotadas pelos governos do Bangladesh e do Paquistão para apoiar as vítimas e suas famílias;
6.  Saúda a iniciativa dos retalhistas europeus que já contribuíram para regimes de indemnização às vítimas e suas famílias e incentiva outros a seguir o seu exemplo; apela à reabilitação médica gratuita dos feridos e à prestação de cuidados aos familiares dependentes dos trabalhadores falecidos;
7. Apela às principais marcas internacionais de vestuário para que investiguem de forma crítica as suas cadeias de aprovisionamento e para que cooperem com os seus subcontratantes no sentido de melhorar as normas de segurança e saúde no trabalho; apela aos retalhistas, ONG e todos os outros intervenientes implicados, incluindo se adequado a Comissão, para que trabalhem em conjunto no sentido de considerar a criação de uma norma voluntária de etiquetagem certificando que um produto foi fabricado em conformidade com normas fundamentais de trabalho da OIT;
8. Apela à Comissão para que promova ativamente uma conduta empresarial responsável obrigatória entre as empresas da UE que operam no estrangeiro, dando especial atenção à garantia de respeito estrito de todas as suas obrigações legais, em especial quanto às normas e regras internacionais nos domínios dos direitos humanos, do trabalho e do ambiente;
9. Acolhe favoravelmente iniciativas atualmente desenvolvidas pela Comissão Europeia com o objetivo de apoiar a melhoria da segurança nas fábricas no Bangladesh, por exemplo através do projeto «Promoção das normas de trabalho no setor do pronto-a-vestir», e do trabalho conjunto com o Serviço de Incêndios e a Direção da Proteção Civil do Bangladesh; solicita que tal cooperação seja reforçada e alargada a outros países da região, conforme adequado;
10. Recorda a necessidade de uma aplicação coerente das oito convenções centrais da OIT; destaca a importância de disposições sólidas em matéria de saúde e segurança dos trabalhadores, independentemente do país em que se situe o seu local de trabalho;
11. Insta o Serviço Europeu para a Ação Externa a assegurar que os funcionários da UE encarregados dos assuntos comerciais baseados em delegações da UE recebam formação periódica sobre questões de responsabilidade social das empresas, nomeadamente no que respeita à aplicação do quadro da Nações Unidas «Proteger, Respeitar e Reparar», e que as delegações da UE funcionem como pontos de contacto da União para queixas relativas a empresas da UE e suas filiais;
12. Regista o importante papel que os trabalhadores e sindicatos podem desempenhar, por exemplo através do desenvolvimento continuado de comités de segurança liderados por trabalhadores em todas as fábricas, e a importância do acesso às fábricas para os sindicatos, a fim de ensinar aos trabalhadores as formas de proteger os seus direitos e a sua segurança, incluindo o seu direito a recusar trabalho inseguro;
13. Acolhe favoravelmente os esforços realizados com êxito pelo Bangladesh para reduzir o trabalho infantil no setor da confeção, e insta o Paquistão a incrementar os seus compromissos contra o trabalho infantil;
14. Insta as autoridades do Bangladesh a investigar devidamente a tortura e assassinato do ativista dos direitos laborais Aminul Islam, e apela aos governos do Bangladesh e do Paquistão para que ponham termo às restrições sobre as atividades sindicais e a negociação coletiva;
15. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos governos e parlamentos dos Estados­Membros, à Vice-Presidente da Comissão e Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da União Europeia para os Direitos Humanos, aos governos e parlamentos do Paquistão e Bangladesh e ao Diretor-Geral da OIT.