quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Do que não ler

Paulo Werneck
Fritz: O Pequeno Jornaleiro
Fonte: www.almanaquebrasil.com.br

Há muito venho reduzindo a leitura de jornais e revistas, não ouço rádio nem vejo TV, o que me mantém afastado da imprensa falada ou televisada. Motivos vários, desde o cansaço com a falta de interesse das matérias que versam sobre pessoas, frequentemente com quase nenhuma expressão, à falta de qualidade das notícias sérias, escritas com pouco cuidado, quando não inventadas ou deturpadas para prejudicar alguns e beneciar outros.

Apesar de ser apaixonado pela atriz Julia Roberts, não me interessa a mínima onde passou as férias ou com quem está saindo. Não sou íntimo dela nem fofoqueiro. Vejo os filmes em que atua, o que cria essa uma ligação sutil entre nós, relação que também existe entre leitor e escritor, mesmo falecido.

Às vezes é interessante conhecer a história de um autor, cineasta, compositor, músico, pintor, para melhor entender a obra, o que pouco ou nada tem a ver com invasão de privacidade, até desejada por alguns.

Se não me interessa a vida particular da estrela de "Uma Linda Mulher", de "Erin Brockovich", menos ainda interessa o que estão fazendo os bigs brothers Brazil, vazios vistos nos mais insuspeitos lares.

A parte noticiosa pretensamente séria também carece de densidade. Numa semana critica-se a falta de médicos, e na semana seguinte o inchamento do estado pela contratação de mais médicos. Os jornalistas se indignam pelo salário médio no setor público ser superior ao do setor privado mas nunca se lembram que o setor público terceiriza as funções mais simples (recepção, limpeza, segurança, manutenção), o que pode explicar essa diferença. Mas não se espere alguma profundidade de análise na imprensa brasileira, salvo nas exceções que confirmam a regra.

Com o tempo assim tornado disponível tenho lido clássicos da literatura e me surpreendi ao verificar que Swann, personagem de Proust, pensava de forma similar:
“O que censuro nos jornais é o fato de nos obrigar a prestar atenção, todos os dias, em coisas insignificantes, ao passo que lemos três ou quatro vezes na vida os livros em que há coisas essenciais. Uma vez que rasgamos febrilmente, todas as manhãs, a faixa que envolve o jornal, então as coisas deviam ser mudadas e pôr no jornal, por exemplo, as Pensées de Pascal (aentuou o título com ênfase irônica para não dar impressão de pedantismo). E no volume de corte dourado, que só abrimos uma vez a cada dez ano", acrescentou, testemunhando pelas coisas mundanas esse desdém que certas pessoas da sociedade afetam, "é que leríamos que a rainha da Grécia foi a Cannes ou a princesa de Léon deu um baile à fantasia. Assim, estaria restabelecida a proporção justa.”